Pular para o conteúdo principal

O ALPENDRE / GARAGEM

SÉRGIO:

Eu me lembro mais de usar o nome alpendre, mas era também a garagem da Vemaguete e depois da Belina vermelha.

O piso era de quadrados de cerâmica divididos em triângulos vermelhos e brancos, formando uma figura maior.

À sua entrada havia um portão de metal, curvo no alto, de duas folhas. Cada metade tinha uma chapa de quarenta cm na base, depois era todo (desenhado, como se chama isso?). Era fechado por cadeado?

Lá ficavam as eternas cadeiras brancas de metal com almofadas.

Além de garagem, era também nosso campo de futebol e de outras brincadeiras. Para defender um chute do Armando num gol-a-gol, fiz uma ponte com entusiasmo e desmaiei pela primeira e última vez (que me lembre).

Ao fundo, à esquerda, ficava o portão que dava para a escada que levava ao quintal; também ao fundo, mas na lateral direita, a porta de acesso à sala (copa?). O portão era de grades vermelhas e a porta era de madeira e tinha uma "portinha" de vidro, no alto, como um "olho mágico" (isso também deve ter um nome próprio).




ROSA:

     O Alpendre Quem vinha da cozinha era a Almerinda, traficando Toddy e açúcar cristal nos bolsos do seu avental. Mais travessa do que nós, tolas crianças de faz-de-conta, atravessava a copa-sala revirando uzóio pra tudo quanto é lado, cambaleando os passos e as ancas, fumegando o pito de paia, cujo cheiro anunciava sua chegada.      
     O Alpendre? Era um espaço entre fora e dentro da casa, entre terreiro e jardim, vigiado pela sala e vigia da rua. Como todo espaço retangular o Alpendre tinha quatro cantos retos e fixos. Para nós, um canto não era tão fixo nem tão reto; um esconderijo longe de todos os olhos condenatórios, cheio de cochichos aos ouvidos traidores; o canto das bem aventuranças. Era ali que Almerinda chegava, onde nossas panelinhas – descarregadas de água, pedras... feijão – já estavam a postos para receber o carregamento almejado por tantas bocas famintas de melado. Almerinda sacava de seus bolsos os punhados traficados – pó branco cristalino e pó marrom-Sabará refinado – virava as costas e, como vinha, se afastava pelo mesmo caminho, agora assobiando qualquer suspeita de que passara por ali. 
     
     Tudo durava um instante, tempo suficiente para deliciar o pecado e não lamber os lábios delatores. Nossos ouvidos atentos sob condição de esconderijo e cochicho captavam os plaft... pleft... dos chinelos, que nunca pensavam, apenas viravam chineladas – nada de comidinha especial parecida com omelete – intragáveis, um estraga tudo! Agora, era a mãe quem vinha da cozinha. Se via as provas do crime, fazia que não. “Nada de entrar com recursos, quando o que era doce acabou-se”. Ela, sim, pensava. Mas... o borrão melado marrom-Sabará no assoalho condenava mais uma vez o Alpendre por suas práticas ilícitas recorrentes: marcas das rondas do velocípede, os carimbos de bolas nas paredes e no teto, as lascas de tintas roubadas pelas cordas e bambolês. Preso permanente entre duas grades, o Alpendre era inspecionado o tempo todo pelo Til, guarda que não ladrava nem mordia, outro condenado a viver do lado do portão que dava para o terreiro, que dava para a rua paralela. A pena máxima foi aplicada ao Alpendre: a tão esperada faxina completa. Para nós, tolas crianças, o faz-de-conta proibido continuou indefinidamente; cheiro e gosto de liberdade, com direito a bolhas de sabão. 

Rosa Fantini

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A COZINHA

SÉRGIO: A Cozinha era o primeiro cômodo à direita ao entrar-se no Corredor (?), contíguo ao Quarto de Mamãe. O piso era de cerâmica desenhada de triângulos vermelhos e brancos (?). À direita ficava o fogão, depois um armário e a porta para a escada que dava no Quintal. Ao lado esquerdo da porta ficava a geladeira e depois a pia de pedra vermelha (era um material poroso, granulado, que acumulava sujeira...). À sua direita havia outro armário, mas parece que havia também um fogão a lenha que foi demolido. À esquerda da porta do Quintal, havia uma janela (?).

UM SONHO (22/04/2020)

SÉRGIO: Levei Vera pra ver o local onde ficava "a casa da minha infância". (Um dia, na vida real, em que passamos lá, mostrei pra ela e Luisa, há uns meses.) Lá estava o prédio atual, mas ao lado (onde seria na realidade a casa de dona Conceição) estava o terreno da 116. Onde era o jardim, havia meia dúzia de jovens brincando de arco e flecha. Fui levando Vera pela mão e dizendo: "Aqui era o alpendre, aqui tinha uma escada pro quintal, ali eu brincava de cabaninha, aqui tinha uma goiabeira, aqui uma ameixeira, ali, tinha um portão e depois ficava o quintal." O terreno estava coberto de pedaços de tijolos e concreto (ontem, dia 21/04, eu fiquei catando pedrinhas no nosso quintal da Onísio), típico de uma casa demolida, mas sem exagero. Eu falava e, olhando "pra cima" (a gente estava no quintal), ao mesmo tempo via os cômodos e os móveis.